terça-feira, 3 de março de 2009

Cristo na Lei


A salvação para a qual a Bíblia nos instrui é acessível “através da fé em Cristo Jesus”. Portanto, visto que a Escritura diz respeito à salvação, e a salvação é por intermédio de Cristo, a Escritura está plena de Cristo.

O próprio Jesus compreendia a natureza e a função da Bíblia desta maneira. “As Escrituras”, ele disse, “testificam de mim” (Jo 5:39). Em outra ocasião, caminhando com dois de seus discípulos depois da ressurreição, de Jerusalém a Emaús, ele os repreendeu pela incredulidade e falta de sabedoria, em vista do desconhecimento da Escritura. Lucas nos conta a história:

E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lucas 24:27).

Pouco tempo depois, o Senhor ressuscitado disse a um grupo maior de seguidores:
São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco:importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos (Lucas 24:44).
A afirmação de Cristo era, então, não apenas que a Escritura dava testemunho dele numa forma genérica, mas que em cada uma das três divisões do Antigo Testamento – a Lei, os Profetas e os Salmos (ou “Escrituras”) – havia coisas a respeito dele, e que todas deviam cumprir-se.

A relação fundamental entre o Antigo e o Novo Testamento, de acordo com Cristo, é entre promessa e cumprimento. A primeira palavra pronunciada por Jesus em seu ministério público (no texto grego do Evangelho de Marcos) indica isso. A palavra é “cumprido”:

O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho (Marcos 1:15).

Jesus Cristo estava profundamente convencido de que os longos séculos de espera haviam terminado, e que ele mesmo havia introduzido os dias do cumprimento. Assim podia dizer aos apóstolos:

Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque vêem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram; e ouvir o que ouvis e não ouviram (Mateus 13:16,17).

À luz dessa alegação devemos em primeiro lugar observar as três divisões do Antigo Testamento, do Novo Testamento e tentar descobrir de que forma nosso Salvador Jesus Cristo é ele mesmo (em termos de promessa e cumprimento) o tema unificador da Escritura.

“Lei” era usado para referir-se ao Pentateuco, os primeiros cinco livros do Antigo Testamento. Podemos achar realmente Cristo neles? Sim, podemos.

Para começar, eles contêm algumas das promessas fundamentais da salvação por intermédio de Jesus Cristo que dão suporte a todo o restante da Bíblia. Deus prometeu, em primeiro lugar, que a semente de Eva feriria a cabeça da serpente; depois, que por meio da posteridade de Abraão abençoaria todas as famílias da terra; e, mais tarde, que “o cetro não se arredará de Judá (...) até que venha (...);e a ele obedecerão os povos” (Gn 3:15; 12:3; 49:10). Assim, foi revelado já no primeiro livro da Bíblia – que o Messias seria humano (descendente de Eva) e judeu (descendente de Abraão e da tribo de Judá) e que esmagaria Satanás, abençoaria o mundo e governaria como rei para sempre.

Outra importante profecia a respeito de Cristo na Lei apresenta-o como o Profeta perfeito. Moisés disse ao povo:

O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás (...) em sua boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar (Deuteronômio 18:15,18).

Não era, porém, apenas por meio de profecias diretas que a Lei apontava para Cristo, mas também por figuras indiretas. Nela o Messias era tanto prenunciado quanto predito. Na verdade, a conduta de Deus com relação a Israel, ao escolhê-los, redimi-los, estabelecer uma aliança com eles, prover a remissão de seus pecados pelo sacrifício e levá-los a herdar a terra de Canaã, tudo isso apresentava em termos limitados e locais o que um dia seria acessível a todos os povos por intermédio de Cristo. Os cristãos hoje podem dizer: Deus nos escolheu em Cristo e fez de nós um povo de sua propriedade particular. Jesus derramou seu sangue como remissão por nossos pecados e para ratificar a nova aliança. Ele nos redimiu não do cativeiro egípcio, mas do cativeiro do pecado. É nosso grande sumo sacerdote que ofereceu a si mesmo na cruz, como sacrifício único e eterno pelos pecados, e todo o sacerdócio e sacrifício são cumpridos juntamente nele.
Além disso, por sua ressurreição, somos nascidos de novo para uma viva esperança, “para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível”, reservada nos céus para nós (1Pe 1:3,4). Essas grandiosas palavras cristãs, que descrevem diversos aspectos de nossa salvação por meio de Jesus Cristo – eleição, remissão, aliança, redenção, sacrifício, herança – começaram todas a ser usadas no Antigo Testamento referindo-se à graça de Deus direcionada a Israel.
Existe ainda uma terceira maneira pela qual a Lei dá testemunho de Cristo. Ela é descrita pelo apóstolo Paulo na Epístola aos Gálatas:

Antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé (Gálatas 3:23,24).

A lei é descrita vividamente pelas palavras gregas utilizadas por Paulo, tais como as que representam o confinamento sob uma guarnição militar (“estávamos sob a tutela”) e um tutor encarregado de disciplinar menores (“serviu de aio”). Tudo isso porque a lei moral condenava o transgressor sem oferecer em si mesma nenhum remédio. Nesse sentido, ela apontava para Cristo. A própria condenação que ela implicava tornava Cristo necessário. Ela nos mantinha em cativeiro a fim de “nos conduzir a Cristo”, o único que poderia nos salvar. Somos condenados pela lei, mas justificados pela fé em Cristo.

O Propósito da Bíblia – John Stott

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